Estive ontem no badalado restaurante Sult, em Botafogo (RJ), a convite da Sommelière Andrea Machado para conhecer os novos rótulos recém chegados ao Brasil.
Da Wines4U, sou cliente e fã. Me identifico com a proposta, acredito no potencial desses vinhos com relação ao gosto do enófilo brasileiro e considero, dentro da possibilidade que nossa moeda permite, os preços justos.
Quando falamos em vinhos produzidos de forma mais natural, sem aditivos e quase artesanais, isso parece um tanto quanto diferente aos olhos e paladar de quem não tem o hábito, mas uma coisa é certa: há de se distinguir os vinhos naturais de vinhos experimentais. Aqui estou me referindo a vinhos impecáveis e muitos com potencial de guarda. São vinhos autorais repletos de identidade.
Antes de tudo o vinho precisa ser bom, ser artesanal e de pequena produção, orgânico, biodinâmico ou natural, ser representativo de seu terroir…vinhos que (ainda) não são famosos, mas de qualidade igual ou até superior à de vinhos famosos. Afirma Andrew Crawford, CEO e sócio da marca
Andrew Crawford
SOBRE OS VINHOS DEGUSTADOS
Como foram muitos vinhos degustados em uma noite, vou seguir a sequencia que fizemos, que achei ótima e deu para perceber bem o estilo da carta.
Começamos com um branco espanhol LAS CEPAS DE CURRO 2018 que, apesar de ser da região de Jerez, não é fortificado. Produzido por fermentação espontânea de clones antigos de Palomino e Moscatel, em solos de Albariza (solo calcário, típico da região) situados a 4 KM do Oceano. Um vinho perfeito para culinária marítima! Produtor Vinhos Oceanicos.
Seguimos por brancos e fiquei feliz com a variedade de rótulos Sulafricanos, cada um melhor e mais especial que o outro.
FORCE CELESTE 2020 – 100% Chenin Blanc proveniente de um único vinhedo, plantado como arbustos em 1983, na montanha de Paardeberg. Viticultura orgânica, fermentação natural com leveduras indígenas e mínima intervenção. O vinho amadurece por 9 meses em carvalho antigo. Produtor Mother Rock, região de Swartland.
AMPHORA 2020 – 100% Sauvignon Blanc prensadas, fermentadas e amadurecidas por 10 meses em ânforas de argila. Essas ânforas são locais, foram produzidas após 10 anos de tentativa-e-erro. Elas são porosas, sem revestimento interno, que permitem a quantidade perfeita de micro oxidação durante a maturação. Produtor Gabriëlskloof.
SWERWER 2019 – 100% Chenin Blanc da região de Swartland. Um vinho que pode ser apreciado fresco, mas que também possui ótima evolução. 2019 foi uma safra que gerou vinhos ricos em aromas e complexidade para o produtor Swerwer.
Passando por um Chardonnay bem inusitado da Austrália, da reigão de Yarra Valley, o BOBAR 2019, percebo o quanto é importante que provemos tipos de vinhos com diferentes assinaturas.
Esse chardonnay tem notas muitos finas oxidativas, mas que contribuem para que seu leque aromatico seja diferenciado. O casal de jovens produtores da Bobar, aposta em uma vinificação natural, e em recipientes inertes na maturação. Os vinhos são livres para que possam desenvolver uma personalidade própria e oferecer algo “fora da caixa” ao bebedor. Para esse vinho eu saíria do casamento brancos com peixes e iria para um presunto cru, certamente.
Mais um Sulafricano da Mother Rock, dessa vez um corte proveniente de 5 vinhedos de Swartland: 61% Chenin Blanc, 16% Viognier, 11% Grenache Blanc, 8% Semillon, 4% Harslevelu. Esse vinho eu achei bem floral, tão floral que às cegas eu julgaria ser um corte com moscato ou até mesmo a torrontés. Com 12% de teor alcoolico, esse MOTHER ROCK pede uma gastronomia mais praiana. Os vinhos são de práticas orgânicas, com mínima intervenção.
Le P´tit Blanc 2019 – 100% Chenin Blanc de cultivo biodinâmico do Coteaux du Layon AOC . Laranja, esse frances do Loire tem uma curiosidade: à safra de 2019 foi adicionado 25% do vinho da safra 2018, que esteve armazenado em tanque de aço inoxidável por 1 ano. Produtor Domaine des Sablonnettes.
BIANCO E ROSÉ DI AMPELEIA 2019 – O que dizer desses vinhos?
Desse produtor, que conheço graças ao garimpo formidável da Wines4U, só espero coisas boas. E elas sempre chegam.
O branco é um Field Blend que de acordo com a tradição da região, tem maior parte de Trebbiano, junto com Ansonica e Malvasia. Field blend é uma espécie de “mistura do campo”. Quando mais de uma variedade de uva é plantada em um mesmo vinhedo e todas são vinificadas juntas, sem separação. Nesse caso, as vinhas estão localizadas a cerca de 300 – 600 metros acima do nível do mar, as uvas maceram com as cascas por 7 dias e depois estagiam 6 meses em concreto.
O rosé é resultado da combinação de cachos inteiros de Alicante Nero deixados em infusão no mosto das uvas Carignano e que são empurrados para a superfície pela fermentação. Nesse processo são liberados delicadamente os sabores.
Após o passeio pela Toscana, seguimos com rosés ou tintos leves…ou o que a sua percepção mandar
THE PINK MOUSTACHE 2020 – A começar pelo rótulo, que já me ganhou de cara, esse vinho foi uma grata surpresa. Porque sim, ele poderia ter se mantido numa linha clichê de rótulos apenas divertidos, mas não. Ele acompanha o alto nível dos vinhos trazidos da Africa do Sul, é muito bom!
Parece rosado mas é um tinto leve, corte de Syrah, Cinsault e Mourvédre, com maceração curta de apenas 3 dias, onde continua a fermentar em barricas antigas de carvalho por 5 meses. Produtor Intellego.
CÔTIER 2018 – Um Pinot Gris que deixa você decidir se ele é um rosé ou um tinto leve. Definido como “um pé no Skin Contact, e outro na maceração carbônica”, a linha Côtier vem de vinhedos na costa da Peninsula de Mornington, Austrália e com foco nesse contato com as cascas. Produtor Garagiste.
Temos então dois vinhos enigmáticos e quase hipnóticos. Ambos com coloração que de fato são inebriantes. Uma perdição para os que, assim como eu, gostam de investir momentos admirando o desenvolver de um bom vinho em taça.
Nesse momento da degustação eu passo à mesa de tintos, mas não sem antes, jamais e em hipótese alguma deixar de me deliciar com as gostosuras do Sult.
Foto: Instagram Sult
O Sult abriu no Rio antes da pandemia e, por conta disso e das agitações cotidianas acabei não visitando (AINDA). Depois de ontem percebi que preciso acelerar essa ida à casa, que já é considerada o melhor point italiano pela galerinha dos comes e bebes.
Pude provar uma mini bruschetta de carne cruda e o arancini de abóbora que estou pensando neles até agora. Simplesmente fantásticos! Abriram meu apetite para os tintos que estavam por vir.
E passei à mesa com a querida Sommelière Andrea Machado:
Andréa é seeempre uma simpatia!
Além de Somm da importadora, é ela quem atende diretamente o cliente. Com muita propriedade, tem uma generosidade imensa em nos informar sobre cada rótulo.
E começamos com um grenache de vinhas antigas em arbusto, com mais de 70 anos, no solo arenoso de Riverland, Austrália. Foram apenas 2.640 garrafas produzidas e algumas trazidas ao Brasil pela Wines4U.
Para o BLUEBIRD 2020 as uvas são colhidas manualmente, desengaçadas e fermentadas com leveduras selvagens. É maturando em barricas antigas de 500 L sobre as borras e não é filtrado e nem clarificado. Produzido pela JC´s Own.
O Blue Bird acima é um vinho tão descontraído que pôde ser servido antes do Pinot Noir alemão Spätburgunder 2017 que é poduzido pela queridinha dos clientes: Weingut Thörle, famosa pelos Rieslings.
O Spätburgunder é purista, não há madeira no processo, para que não interfira no potencial da uva. E também não passa pelo processo de filtração, apesar de não conter sedimentos. O que ocorre é que 4 meses antes de ser engarrafado, o vinho é transferido para tanques onde os sedimentos são decantados por gravidade, o que garante que a Pinot de solos alemães (Rheinhessen) possa ser apreciada em toda a sua expressão e potência.
A artista ilustradora Katie Shriner dá vida ao rótulo do biodinâmico Piñata 2020 produzido pela australiana Frederick Stevensoncorte da região de Barossa Valley. Esse é um corte de 64% Cinsault, 19% Grenache, 15% Shiraz e 2% Mourvedre e um notável potencial de guarda com bastante acidez e taninos afiados, característica do jovem e ousado produtor Steve Crawford.
O vinho seguinte apresentado foi o Flight of The Drongo Grenache Noir 2019, novamente um rótulo da Africa do Sul. Esse vinho, eu comentei com a Andrea, é o tipo de vinho que eu sou capaz de ficar bebendo o dia todo.
100% Grenache orgânico, em uma versão leve, viva e não menos complexa que certamente combina com qualquer ocasião. Facílimo de agradar. É produzido pela Pearl Mountain.
O próximo vinho, da região do Loire, MENARD LE ROUGE 2019, também da Domaine des Sablonnettes, é uma homenagem a Auguste Ménard, avô de Jeremy, responsável pela vinícola.
Seu avô, mais conhecido como Ménard le Rouge por suas tendências revolucionárias e seu enorme bigode vermelho, é lembrado no rótulo desse inesperado corte de Cabernet Franc, Grolleau e Gamay.
Esse também é um vinho para qualquer ocasião.
De volta aos italianos, foram servidos dois vinhos do produtor Andrea Occhipinti, famoso por promover as variedades de uvas locais.
ROSSO ARCAICO 2019 – 50% Aleatico e 50% Grechetto Rosso de videiras orgânicas certificadas, macera em contato com as cascas por 30 dias. É vinificado com leveduras selvagens em ânforas de argila onde permanece por 6 meses.
ALEA VIVA 2019 – 100% Aleatico possui um pouco mais de corpo que o Rosso. Macera na casca por duas semanas e fermenta espontaneamente com leveduras indígenas apenas em pequenas barricas de concreto.
Ambos são da região do Lazio e evoluem nitidamente em decanter ou taça. São vinhos para serem apreciados sem pressa e de preferência à mesa, como os italianos bem sabem e gostam de fazer.
Faugères 2017 – 35% Syrah, 35% Grenache e 30% Carignan, cultivadas na apelação Faugères, 90 PONTOS DA WINE ADVOCATE.
Admirados pelo público da importadora e conhecidos amigavelmente como os rótulos das ferramentas, os vinhos da dupla Calmel & Joseph são certeza de sucesso. Primeiro pelo preciosismo deles na busca por vinhas velhas da região do Languedoc Roussillon, França. E segundo porque os micro negociants conseguiram elevar os nomes dos vinhos dessa região, que há tempos anda fora dos holofotes.
Como afirmou Jancis Robinson acerca dos vinhos da dupla: “Provar toda a sua gama é um percurso notável através de todo o Languedoc Roussillon”.
Com rótulo bem chamativo, não ficou difícil imaginar que o KEDUNGU 2019 seria do mesmo produtor do vinho Branco Moustache, que postei lá no início. E, reitero: a produção da Intellego vai além de rótulos divertidos.
Esse é um corte de Syrah, Cinsault e Mourvedre, fermentado com cachos inteiros por maceração semi-carbônica por 8 dias em tanques de aço inoxidável. Foi maturado em barricas antigas de diferentes tamanhos, na intenção de preservar os aromas vibrantes das frutas.
E para fechar, tivemos mais dois belos vinhos da Austrália:
Somos Tintito 2019 – Um corte pra lá de curioso e diferente com 39% Grenache, 27% Touriga Nacional, 24% Tinta Cao, 5% Carignan, 5% Cinsault de várias regiões. A vinificação reúne diferentes técnicas, o que o torna ainda mais especial. É um vinho prazeroso de ser bebido, desses que quando nos damos conta, a garrafa já secou. Produtor Somos.
Crudo Shiraz 2019 – 100% Syrah de vinhas orgânicas, uma vez que a sustentabilidade é primordial para o jovem podutor Luke Lambert. As uvas são fermentadas naturalmente e amadurecidas por três meses em grandes barricas de carvaho francês.
🍷
Geralmente esses vinhos com aspectos e práticas mais naturais, podem ter um tempo de espera após a abertura da garrafa para serem desfrutados. É incrível como alguns se transformam pelo tempo aberto em garrafa e pelo giro em taça.
Foi uma noite muito agradável, pude rever o querido Ivo – Sommelier do Bazzar, que também estava por lá degustando e selecionando tesouros para sua carta.
Gostei demais!
Agradeço imensamente o convite da Wines4U e espero que mais gente possa conhecer o trabalho dessa importadora tão simpática.
Os novos vinhos já estão no site, corram porque alguns vieram em pouquíssima quantidade!
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